segunda-feira, 20 de abril de 2015

Taígete/Malena

anna clarén


“Opiômanos veteranos aspiram a fumaça negra no quarto dos fundos da lavanderia do China enquanto o Bebê Melancólico morre de overdose de tempo ou súbita falta de ar.”

Almoço Nu, William S. Burroughs

I. primeira conversa com Aziz

Uma travessa escura em geral vazia sobre a qual se estendia por curta distância o parapeito em que debulhava meus braços por longas noites. Era então uma luz forte e minúscula acima de minhas vistas. Era acendendo um cigarro e seu rosto assoma ocre do escuro e some. Me olha e não a vejo vendo, era somente vejo algo mais quando traga. Posição bela e folgam as tiras sobre os ombros de seja lá o que veste em lenta marcha indo ao negro interior. A outra mão esfrega o suor de entre e debaixo de seios e permanece. Negro imenso véu se lhe cinge estende sem estrelas num limite. Acima da face silenciosa somente o céu. Cada fixidez de contorno assombrada por vazios mútuos.

Nas costas agora um leve frio eufêmico em função de secar o suor de lento vagar. Dedos nas fissuras escuras do parapeito de madeira branco. Sobre as eventuais fendas farpadas com insetos miúdos vivos e mortos talvez possível lembrar disto. Agora ainda o calor.

Tudo o mais sempre fora isto de tal modo póstumo que. Permanência que dure o tanto a ponto dessas coisas não mais se fazerem necessárias.

II. primeira conversa com Taígete

Taígete toma uma maçã em mãos.

Mancha marrom onde afunda a pele dura. Adentro o dedo de Taígete até a carne alva gelá-lo de leve. Resiste pouco a que se faça a trilha até seu tronco.

A carne gela, não aquece. Há talvez quem conheça mucosas frias, o que é extraordinário, à parte os cadáveres.

Toma o dedo em mão, maçã ao olho. Ela diz.

Tumor nefasto, penso se como assim. Há a importância desta solidão esticada, os barulhos marulhosos da rua nem perto nem longe, coisas imponderáveis. Sou capaz de afundar o mundo e afundar-me junto, o capitão e seu navio, testemunha de ascensão e queda do primeiro e último mundo em trânsito silencioso destruidor do resto e de mim. Não: eu sou o resto. Sou capaz por exemplo na medida da generalidade fatal com que inicio algumas frases.

É Taígete, é dedo dentro fora, é olho, é crítica da ideação generalizante e fatal. Ela diz.

A dentada tão leve que dou é ou estranho carinho ou nojo e noto que pouco se arrancou dela nela. Aumento. Agora como assim se gorada ou não como.

Não é talvez da maçã que ela recebe isto, mas de todo modo recebe:

Pode ser que sinta um medo infinito. O medo eu já pressentia e ressentia, mas não em sua infinitude imediata nem em seu pavor insofrível. Algo me faz conhecer enfim algo de que já ouvira falar. Agora sim como assim se gorada ou como se.

Taígete é tomada pelo referido pavor insofrível: assombro sem forma nem fundo, pavor puro sem apoio em que tudo queima, seja de frio ou quentura, bruxuleia a carne, crepita a ossada e Roderico acorre nervoso em socorro. É por ocasiões como esta que Roderico já sabe mais ou menos, por exemplo, como Taígete prefere ser chupada.

Roderico, a imagem é mais ágil que o tumor?

Talvez o que interesse a Taígete na maneira com que ele se aproxima é quando se desendereça sua intenção, que almejava um cerne por ele suposto, e faz fisgar uma dor desconhecida desfiguradora às vezes no útero, às vezes nos seios, às vezes no rosto, respondendo com interesse à que já latejava. Interessam mais seus acidentes que suas suposições.

Roderico medita deste modo.

O abismo que é abismo e superfície rasa escura e superfície à mão do olho azul de Taígete. Simplicidade exasperante que no entanto não era exasperante e que agora, ainda que seja, basta qualquer coisa para que deixe de ser desde que não o pensamento. O pensamento sempre supõe o pior, por sensação a crédito. Para não correr o risco do mal depois, comecemos desde já até quem sabe quando. O depois absoluto, onde, se confirmado tudo, o eu sabia, se negado, uma estúpida felicidade intelectual, ponto em que tudo agora sim fez sentido, para onde convergiram todas as histórias em juízo final. Na minha compreensão tudo já acabou e estou num delírio que me diverte às vezes.

Que tumor?

III. segunda conversa com Taígete

Funâmbula toma um ônibus em mãos, pés, nádegas.

Olisbos Verpa gargareja boa noite. Seus dedos no copo, a verticalidade dos dentes amarelos, as marcas no lábio, a língua que vez ou outra aparece do fundo da boca.

Ele não diz, eu não pergunto. Um eco não tem por que nem como levantar a voz.

No terraço, escuridão marrom e grânulos de película, o frio do piso vermelho de cerâmica. Levanta e traz seu livrão do Ommer mostrando as bundas exultante. Algo contagiante no seu júbilo de ver um ângulo de bunda.

Havia banheiros amarelentos a curta distância, proximidade sonora de geladeiras, insetos, etc.

Taígete fala ter se tornado monstro, amorfidade sem parâmetros equiparáveis. Gosma cujos contornos se delineiam a cada vez: agora é: o poste, a ocridão da luz sobre o piso, a amarelidão do banheiro, a higiene alheia imediata como um raio. Os raios é que eram ela.

Verpa coloca a mão em sua coxa que pulsa forte. Já não bem se sabe o que quando pulsa mas algo comete algo.

A indiferença com que se espatifa no chão do chuveiro a água do banho os cabelos alheios a eles, as mãos, todo aquele corpo não tão distante mas completamente desconhecido. Ela escuta. Alegria equívoca de um sistema caótico. 

Eu vejo o banheiro e sinto o ar pesado, a água quente, som de contra superfícies, os cheiros, eu vejo o ladrilho amarelo, vejo o vapor que fica no espelho, no gesso inchado, vejo o vapor que sai em meio ao céu negro imóvel pelo basculante e o vento frio e curto que entra que gela sua nuca, vejo os calos de seu pé, os pelos que caem no ralo e arredores, as mãos precisas e suficientemente atentas, leves como ímãs, virando torneiras.

Eu quando anoitece e fica tão escuro e quando o silêncio aí penso somente então tudo isso pode ser que seja alguma coisa somente pela glória pouco óbvia vital de se ser desimportante.

Verpa com a mão imagina testemunhar um momento notável. Sem ainda comprovação verbal, sua boca abriu. Ele diz.

A coisa mais concreta que eu já pensei foi o seguinte: e o meu cu, será que teria coragem de sugar os meus testículos?

Agora aperta a coxa de Taígete, que não parará de se aproximar. Os dedos deprimem a carne, o sangue em franco recuo e correndo. Taígete exclama em silêncio deste modo.

Cadê Roderico, caralho?

Seu corpo dá um coice contido. Verpa de seu turno interpreta. Taígete medita deste modo.

Ele sempre conheci, desde nunca, já em supor familiar segundo certas designações gerais. Então em ruindo silencioso o circunlóquio, talvez me afogue em minhas veias. Estou distraída.

Verpa pondera e inquere em mudo rumor. Taígete o vê. Já nada se passa nele, mas olha a moça desde o rosto. O abismo que é abismo e superfície escura e superfície à mão do olho verde de vidro trincado. Sulcos curtos de mistério sombrio sem profundeza.

Taígete nota logo mais deste modo.

Arrasta a língua por meu cu.

Logo ainda mais nua deprime a pele o peitoril contra costela o seio esquerdo escurecido pela banda de madeira fechada da janela em cuja superfície a mão pousa já com pressão suficiente mas o olho conduz a que note deste modo.

O sol em seu cromatismo anestésico, âmbar agonizante submergindo em morros, parede externa enorme apartando humanos do universo, parturiente do alento, batida em retirada pela brisa morna. Segurança –

IV. catalepsia

Roderico medita deste modo.

Um dia enfim Taígete nos vimos nus e me sugou sem muita cerimônia o que foi um pouco excitante mas pouco porque o dia nem a circunstância eram muito excitantes. Deriva estranha da tarde silêncio gris prenúncio póstumo do tédio maiúsculo largo e os sons de sucção úmida vinham de repente desinteressantes. Deriva estranha da tarde tendenciosa para declive de ânimo frente às coisas em geral. Porque ela sugava então eu olhava seus cabelos da nuca e fiquei apavorado ante a ideia, que aliás deixava lenta e preocupantemente de ser apenas uma ideia e passava a ser uma experiência aterradora, de aquilo poder me entediar, que o sexo nem me agradasse ou conviesse. O caso agora, antes do sim e dos problemas daí era o problema enorme do talvez.

A cratera imensa que abria espaço para hipóteses e me distraía de meu pau de sua boca de suas mãos de sua saliva.

Outro destino possivelmente mais feliz se ela pousasse a boceta em minha boca e mijasse, por exemplo, ou rasgasse meu pau ou enfiasse algo meu cu adentro, muito bem também se me comesse.

Aí já passado o medo votado a qualquer consequência. Ideia cansativa, da consequência.

Roderico se cansa ao permitir perpetrarem os pés tamanhas distâncias. Há extraordinário escuro baixando na rua. Ao longe uma janela laranja imóvel o deixa empertigado por um breve instante esperando a aparição ligeiramente confortadora duma silhueta semelhante a ele. Haveria entreter-se socorrê-lo do medo em germe minimamente com a estranha ideia de comunidade humana, aquela que o tomaria quando visse quem quer que fosse fazendo o que quer que fosse pela janela no menor gesto desimportante desde que imponente porque distraído, um homem, uma mulher, nu, nua ou não, fazendo. Espetacular. Em vez, havia essa ausência não total, senão uma presença remota da ideia estranha, o laranja o lembrava dum dedo, cuja impossibilidade era quase impossível, que aparecia e premia um interruptor. Estava diante então duma presença diferente que pouco ou nada tinha de alentador.

Hora em que há um recolhimento muito singular ao redor.

A rua estica. Os prédios ligeiramente se inclinam em sua direção. Então agora um humano se aparecesse seria incapaz de fazê-lo ignorar o terror do arredor. A mais pura realidade do cerco se fechando. Silêncio de nunca antes em cujo bojo os sons estridulam em falso. Desta vez não importa nada, não há inteligência, senão a do pensamento que se possa querer antever que possa querer antever num corte à medida que corta, ou num buraco, à medida que suga e a de outro. Mas a antevisão não será de importância perante ser sugado, aliás e ou melhor, de fato põe por terra tudo, pois ser sugado não pensa, nem se presume. Apenas se pensa ser sugado durante ao se recusar pensar o pensamento que presume (o outro é isto, que somente faz porque desfaz o pensamento, que recusa por ora qualquer conteúdo). Depois, o se-sente-sabe-que-cessou, e também antes, o tudo-ia-indo-até-que: é recusar presumir. Não se presume ser sugado jamais durante ou antes, pensar aí assim é ter recusado a entrada de modo que presumir uma espécie familiar de fracasso e ressenti-la é cada vez mais se distanciar do ponto de ser sugado, ponto a que por sua mobilidade, mas não só, é impossível chegar querendo chegar.

Roderico desfibrilado pelo medo. A mão no peito e a expressão de espanto se desfazem ao dar-se conta de ambos.

Roderico medita deste modo.

Não alcanço jamais o fim da rua. Que a rua tenha acabado não coincide com o fim da rua. Chego a ele, mas ele não chega. O puteiro de veículos. Não somente de lataria, mas os veículos carnosos de objetivos permutáveis. Creio que vi longe demais. Estou vindo para o fim da rua e não alcanço.

Olhei pro chão vazio da rua, as setas brancas, o asfalto escuro amarelado, havia a curva da subida, eu vejo a dobra, e eu vejo no que vejo até o que eu não vejo de tal modo antever pode vir a ser ver, mas o que eu vejo, o chão imóvel desocupado silencioso, a curva interrompida, não, talvez não começada, não sei se já vi uma interrupção, mas mudanças de direção, essas sim, é vendo o que vejo que vejo o quanto é possível ver, o que está aí, mistério do sólido, mistério do sem lacuna.

Nesta goma negra duas pernas brancas atravancam avante desde o fim da rua. Os passos deprimem como podem o asfalto. Roderico escuta no mesmo longo silêncio os trovões mais próximos de pés ásperos contra o chão. Acima há um ventre. Sobre ele e seios, sacoleja um vestido. Então o rosto. Malena. Detém o há quanto tempo na subida da goela à boca, engole-o. Então exceções ao branco: sua boca aberta em língua e mucosa, o sangue no rosto e na veste. Os olhos fixando-se, vidraça inchada em estilhaço. Boca e olhos giram ágeis, ao vê-lo. Desaba sobre ele sem falar, talvez um gemido. Toma Malena em mãos. Corpo frio e úmido. Os cabelos em seu nariz e boca. Roderico invadido por um pavor insofrível. Uma onda lhe varre a consciência. Inspira. Segura-a. Expira. Levanta-se e olha avante como se então sim ele veria agora agora agora inspira e permanece algo corre ela tomada em mãos o buraco do rosto os seios grandes as costelas algo ainda permanece algo corre ela tomada em mãos ela os olhos escuros negros descendendo algo ainda permanece algo corre ela tomada em mãos ela tomada em mãos o buraco do rosto o rosto branco os olhos fundos negros lá atrás os seios grandes as costelas o rosto branco o buraco da barriga algo ainda permanece algo corre ela tomada em mãos as costelas o buraco branco do rosto os olhos fundos negros indo contidos tomados em mãos algo corre algo corre ela tomada corre algo em mãos o branco do rosto o negro fundo indo contido fundido corre em mãos ela tomada agora corre tomada corre em mãos.

V. Segunda conversa com Aziz

Marulho mudo canção sem cabeça dos homens sem anseio por que o vento sopre. Enfim o mundo sem notícias.

Não está ao meu lado aí me viro e o vejo. Ele, com a cara de algo se passa ou está para, pergunto se não vem. Claro que vou, ele diz e acrescenta que ir não é importante enquanto descemos.

Como se fôssemos sangue olhando ou lembrando do resto da corrente sanguínea conforme mova-se o êmbolo desde carros e luzes na rua. Quanto silêncio então, o primeiro.

Sua cara de é aqui é o retrato do final, ele diz, o não procure mais definitivo. O que ele esperava?

Deriva estranha e curta deitados na areia o olhar sem vertigem dirigido aos postes altos. Noite inspirada da Baía, cuja agulha odorífera espeta o cérebro pelo nariz.

Cada vez mais triste, ele diz, mas a tristeza vem e vai e se remedia. Estado promissor das coisas, ele sarcasma daquele modo. 

De onde você me olhou da última vez? Você me viu. Eu me lembraria. Você vinha, me viu, e passou. Onde você estava? Na árvore. Escondido? Não. Por que na árvore? Por nada. O que você fez nesse dia? Acordei. E depois? Desci até a árvore e vi você. E depois? Dormi. Na árvore? Não. Só? Sim. Não me ligou? Não. Não se masturbou? Não. Não? Não gozei. Você parou antes do fim. Parei. E depois? Acordei. E depois? Dormi. Não desceu mais? Não. Não me viu mais? Não. Por que não desceu? Não sei. Nem pela janela? A queda é alta. Não me viu nem pela janela? Não. Você ia à janela? Não. Já foi à janela? Sim. Por que não vai mais? Não sei. Faz muito tempo isso? É possível. Foi a última vez. Sim.

Ruídos no estômago, crepitar da ossada, saliva, gases, as mais variadas superfícies contra outras. Enfim este silêncio turbulento, mexido, nervoso.

E agora?

Concluo e inauguro.

Sua mão passa sob meu queixo. Um troço de mistério assoprando as vísceras, carne dos pés sob pele estranha, carne folgada sobre os ossos, artelhos de repente magros como nunca, cujos arrepios dão-lhes direções.

Fora de outro nada param quatro caras brancos bombados rindo passo duro no perscruto com aquele qualquer interesse secreto adivinhável na mão de um uma Orloff tosca. A mão dele ainda sob meu queixo hesita aí escuto o sangue em franco recuo e correndo e se chegam e tão perto que a boca dele se abre em pergunta aí o Orloff porra ele com a garrafa. Me ouço gritar ao som do vidro sem ter quebrado contra o osso. Ele não sangra mas a mão ao olho e o aberto me encontra estamos mortos.

Vão me foder e porrar ele já vão porrando ele berra. Começa a aparecer o sangue. Congelei furada de calor e frio me mijo uma mão fecha no meu cabelo que espicha e esfola o escalpo grito e me joga fora. É só com ele. Porram. Levanto. Sai porra me ouço. Como é que é e me murram. Me jogam fora. Chorando caralho seu filho da puta soco um crânio puta que pariu tem que acontecer alguma coisa. Me joga fora. Me chuta. Nada nele sangra mas fica putinho. Me levanta e me bate na nuca. Sai sua puta de merda. Ai porra minha boca não forma palavra nem uma nem outra socorro nem essa.

Não me deixam me agarrar a ele. Não posso mais o puto ficou de guarda. Pegam pela gola e dão socos, quebram o rosto, o sangue espirra quando cospe, soluça. Não chora, afoga da raiz escura do grito desde a porta. Socorro. Aí me soca o rosto. Eu ali nada, não me foder junto é só com ele. Minha roupa rasgada eles pensam. O pau duro, ele quebrado mas agora de fato dele desocupados já devidamente posto de lado sangrando sozinho, e o caralho desse merda em mim, seria, os outros devidamente assistindo jurando que o pioneiro gozará breve termo. Não sei e me vejo mostrar a buceta. Eles olham. Será isto então se eu grito, enquanto, me murram. Tirado, aí só, um caralho duro sopio grosso da bermuda mas vão ainda nele mas agora posto a nu. Entendo o centro e berro. O guarda puto avança e me derruba. Me murra a cabeça ela fende eu escuto a descostura. Engulo areia zonza vejo viram ele de bunda exame ao cu cospem enfiam o pau ele grita, a cabeça dele afundam na areia. Olho ele amansa eu ali nada.

Olhando da terra água me cobre emudece gélida. É noite nada se ouve. Um pouco de areia à boca, e alguma conclusão mas nenhuma. Levantar. Sem mais me vejo a boca suja engoliu a terra. Toda luz se dilui. O calor impede de pensar, a terra roça na língua, na garganta, pés descalços, contra terra, e terra contra pés, corpo contra ar, contra som, impedem de pensar.

Andar. Murro rumor tinindo ainda toando tão longa loa em rumo nenhum apesar afinal somente avante estranha deriva não toco a profundeza da fenda morna na cabeça. Sangue dele em mim também.

É noite nada se ouve.

Clarão laranja vivo de fogo que vara todo um espectro da rua. Avenida cujo leito é fogo, não me deixaram chegar perto do corpo na exaustão das tripas, na implosão nociva, na intrusão de todo tipo de mutilação. Agora clarão laranja que funde tudo na rua, terrível comunhão de corpos, um grude de carne em fervura. Sem outros rumos carros gente movimento nele avante e contra avante. Clarão em que há clangor de bicho, rufar de plásticos pesados, baques e estalar de costas costelas e crânios, vociferações de vísceras entre dentes, bramidos frutos de corpos partidos, espremidos, postos do avesso, ouve-se o estalar da gordura que pinga das carcaças assadas em fogueiras e o cheiro subindo a um céu sem deuses em noite de silêncio e lua vermelhos, mas o silêncio e o mistério do preto e dum luzir mínimo infinito.

Cada coisa cada vez sim pois nada pode impedir ou pretender deixar impedido agora o que exploda de terror e assome numa réstia improvável no meio a tanto clarão pois isso como seria vislumbrar outra luz em meio a tanta luz senão uma mudança ligeira num acorde talvez isso mesmo um som ou uma luz ou um cheiro ligeiramente diferente um tempero ligeiramente diferente então algo assoma na carne da rua que não bem é bom mas quem sabe seja talvez uma lufada duma brisa acima do calor overdósico que afunda a respiração num imenso suor e bafo letárgico alérgico ao tempo rosto e cu proibidos ao que não seja que horas são ou que dia é hoje agora não agora essa brisa que é a primeira brisa esse vento que é o primeiro vento que na verdade não bem antes não ali mas somente nenhum acesso a ela a ele ela ali talvez já ia e iria sem dar-se a quem fosse a que fosse também isto é o que ao olhar e sabor de quem o vento parece vida parece vida traduzida no movimento do nada vento é nada em movimento cabe inquirir ou afirmar ou apostar com vistas a dizer a alguém logo mais vento é nada em movimento.

Quentura ao ventre o peito o rosto daqui a pouco recuo e tomo em mãos a maçaneta, saio do jardim, entro em casa. Quarto tornado rosa sob dia e odores longos em cujo talo paredes crepusculentas sons e cores erráticos somente inícios silêncio da vida em geral enfim escurece barro áspero sob unhas. A lua rasga alegre o corredor que minha irmã atravessa sob seus cabelos e o cheiro deles fui salva eu pinço seu braço quando passa por mim pra que me olhe e me escute com alguma atenção de um modo ruim de cair. Depois de comer e quando vamos dormir, os mosquitos zumbem nos ouvidos e nos estapeamos irritadas e depois rindo.

VI. terceira conversa com Aziz

Delirei agora a casa abandonada. Pensar abandono é moralizar. Vazia.

Estou aqui mas a uma certa distância. Não devo falar casa. Não devo. Construção tal em que paredes determinando cômodos, querendo não deixar alternativa.

Paredes margeando salas, continentes de atmosfera poeirenta, rumor dos pelos mais leves que o ar levitando. O sol rasgando o peitoril, o piso, pessoas mortas e um quadro com Jesus.

Delirei não isso. Cratera inabitável, péssima qualificação, por que penso em habitar, se nunca vi nem um cu inabitável, se não sei como viver? Cratera também não hostil, por que suponho duas naturezas, por que dou a elas qualidades?

Delirei quase isso.

Se estou, não é que habite. É fácil uma ideia roer que eu esteja. Estou quase aqui.

Posso falar de quando tento me desvencilhar de minha xoxota. A ideia em si, por mais dura, é a mais desculpável. Posso discutir com ela. Não é como minha boca ou o índice em geral equívoco de uma proveniência como o umbigo ou como ela.

Duas semelhanças jocosas: odor grosso dos sovacos, e mucoso da goela. Mas não se trata disso. Mas da mobilidade dela por toda parte. Localizava em mulheres oriundas de úteros alheios, chamava de amor, adjacências, derivados. Somente em parte, o erro. Deve haver mulheres saídas desta xoxota.

Talvez quando criei estes sulcos no antebraço, por exemplo, fosse desvencilhar-me da xoxota. A demora na clareza da formulação fez render algumas auto mutilações fundamentais. Não fiz ainda duas, adiadas: cortar veias, tendões e nervos que me comprometeriam o uso da mão esquerda; decepar o pau cessando relações excessivamente determinadas com esperma e cortando a possibilidade fisiológica de auto-fecundação. Mas não devo supor uma mútua exclusão entre a xoxota e o pau. Talvez fosse emblemática da confusão no estabelecimento dos termos.

Uma dessas delas eu detesto. Cheirosa que finge burrice em proveito misterioso. Maestria destra de um boquete, por ela aliás já a consequência de amor seguindo olhar oscilando entre aparente concentração e deriva débil.

Somente talvez ofendida se levanta e quando se foi e fechou a porta e cortou o rabo do rastro perfumado, ou porque sinto na cratera a brisa cujo som agora a porta abafa, o perfume dissipando e sons amputados de algo – do amor a face movediça.

Tinindo no chão, o sol se estende nos tacos tanto quanto em geral dura o menor dos tédios.

Aí outra:

O que me dá de endereçar-me a ela. Malena. Sem padecer do transcurso e previsões. Evitar as segundas e delas, a ninhada. Malena longe em tão movente mutismo. Toda a larga boca dentes tão antigos quanto possa lembrar será possível lembrar disto sempre a pergunta. Já cravaram em alguma carne para quantos fins, de rasgar e comer, de furar, de marcar, de raspar.

Aí hoje à praia nos vemos. Aspiro leve odor dos sovacos duma camisa por cima das coisas. Atrás de meias, também sorvo os sapatos. Abatimento de toda esta verificação. Afogar a tarde na merda sórdida. Negociar primeiro o tédio, depois a vida. Se bem que aquele nesta. Aliás foda-se. Aquelas indo idas, também estas aqui ali sob menor custo alguma hora devem se fazer desnecessárias. Licença.