sexta-feira, 18 de abril de 2014

Gravidez

Havia que meu umbigo você achava na barriga mais bonita. E que eu hoje nela haja alguém que a si queira ou queira-se-lo ou -la fora. Havia estranho nome o que deitada um riso me tomava quer quisesse: chegado: fechada a porta: a roupa: nela era o aroma da rua da água turva suja: deitava: e o riso tomava quer quisesse ou se me impusesse. Minha barriga e nela o lábio: e o outro: os dois. Seus. Subseus. Cicatriz inscrita e circunscrita. Infrasseus. Agora não: agora era eu: somente não apenas só. Tudo isso só. Sim que haja o duplo hoje: entanto antes havia haveria tudo isso só. Antes era já assim. Havia que eu fosse bonita e você achasse e dissesse acreditasse eu. Havia que o frio me chumbasse que eu parasse. Que o riso era longo demais jamais suficiente. Havia que você não vinha e era sempre pior. Viesse: ao fim já não tinha mais vindo. Ainda. Não viesse. Como não viesse. Como se. Veio demais jamais suficiente. Na barriga mudança horrível. Dobrada a pior necessidade da fome. Que me tome ainda o riso: infinito: prestes a terminar.

Plêiade

Os joelhos sobre as plantas rasteiras, amassando-as, uma flor entre os dedos, amassando-a devagar. Duas gotas atingiram-na das vezes que a premia. O rosto erguido nele os olhos sob o céu escuro nele as estrelas imóveis senão pelas ondas que as gotas imprimiam no olho.

Somente agora dava real atenção ao roxo inchado formando-se no cotovelo. Um corte bem superficial. Os dedos sobre o hematoma, retirou-os rápido. Havia minúsculos grãos duros espalhados pelo cotovelo e por toda a área inferior do antebraço.

A chuva engrossara algum momento.

À sua frente, o muro rosa. Um curto facho ocre da luminária no canteiro da qual a água tirava fumaça.

Uma gota caiu de seu queixo entre os seios pelo umbigo até a barra da saia. A blusa encharcada. Pesou ao tirá-la. Viu uma faixa fina vermelha com rastros fracos descendentes. Esfregou a mão sobre ela. Cheirou. Era sangue. De novo.

Plêiade!

Voz vinda de fora. Havia atrás de si ainda toda a casa de distância até a porta. Ante a soleira era a areia. Virou a cabeça do muro ao corredor. Via a janela que dava pra praia. Emoldurava-se nela a cabeça dele olhando-a. À visão dele, imaginava-se, havia suas costas nuas na penumbra ante o muro rosa e farta fração do rosto iluminado. O rosto inteiro dele, tudo quanto aparecia mal, era escuro. Virou-se de volta.

Tomou a flor na língua. Mastigou-a.

Plêiade!

Não se moveu. Houve porém após um grito estranho. Não evocava um ataque, susto, dor. Ou melhor, não apenas. Grito gritado com o pior que ela já houvera ouvido à vida. Não era certo que ele houvesse gritado, mas de alguma traqueia havia saído. Não queria descobrir. Agora era passar o resto do tempo ali. Tolerar as câimbras, as escaras, logo descobriria como.

O grito se repetiu. Isso era inesperado. Era o tipo de grito que só esperaria ouvir uma vez na vida. Sentiu os joelhos manifestarem-se numa direção ascendente. Apoiou as palmas das mãos sobre as plantas já amassadas. Algo escorreu por sua coxa esquerda. Ergueu a saia. Sangue. Não sabia se menstruara ou se algum corte nos arredores. Tudo doía monoliticamente. A água abria a pele e fazia arder.

Deu passos até o corredor. Atravessou-o. Limpou a terra dos pés no capacho. Foi até a porta e abriu-a. Escuro. Pegou a lanterna, no móvel ao lado do vão. Vasculhou os arredores. Nada. Dois passos avante. O raio que a lanterna alcançava aumentou. A chuva batia forte sobre o telhado. O mar negro e plúmbeo. Voltou-se, a lanterna iluminando o chão. Uma pegada com sangue dirigida à casa.

Refeita do susto, tomou o pé nas mãos e equilibrou-se para iluminá-lo. Havia restos borrados de sangue. Era seu pé, aquele. O em suas mãos, o cuja marca estava no chão, o que entrara na casa, o que saíra da casa.

Chegou-se ao mar. As ondas quebravam, a chuva engrossava, fosse ainda possível. Era o mesmo som, a mesma água que quebrava a seus pés, a mesma água que encharcava seus cabelos.

Mas não era possível. Alguém mais estivera lá e gritou. Não era ela.

Sexo IV

Em parte variação sobre o tema da Lissovsky pro filme do Ian.

PJ Harvey por Anton Corbjin. Vi agora que talvez seja do Helmut Newton. E não sei mais se é a PJ Harvey.



















Duas grandes áreas ligadas por um corredor. Uma sala ampla, adjacente à cozinha. No corredor, os quartos e banheiros (dois, sem contar a suíte). Dava no jardim, o corredor extenso. Eram muitos quartos, ainda não os contei. Nós, poucos.

Divertiam-se. Eu talvez também quem sabe. Não sabia o que fazer. Procurei T., enquanto pude. Além de que a amo, sempre é ótima companhia. O que não sabe. Nem eu nem ela vamos viver essa outra coisa entre nós que então, se fosse o caso, já não mais seria o que já era.

Estive conversando com ela durante um tempo. Quando começou a rolar um doce, pra além dos fermentados e destilados já e durante e ainda, o olhar mudou, pediu licença e sumiu. Me esforcei ainda por manter uma expressão amigável, mas o interesse por negligenciar meus arredores era maior, principalmente agora que todos pareciam mais agitados notando menos a música e movimentando-se de modo estranho.

C. tirou da calça de J. o pau duro dele e achei aí ser hora de me retirar, incapaz de imaginar o que pretendiam fazer ali parados no meio da grande sala escura. Não quis descobrir. Passei pelos gemidos de J. e um grunhido risonho e pegajoso de C. somado ao que devia ser sob sua mão o som da pele do pau esticando e contraindo rapidamente.

Cheguei ao corredor, também escuro, a não ser por uma fresta incandescente de uma porta mal fechada. O som da música era abafado, bem como os ruídos consonantais de conversas ágeis dentro de um ou mais quartos e, pelo tom, esforçando-se por sobriedade, sérias. A porta fechada destrancada do quarto em que dormia. A pouca luz que entrou do corredor e o pálido minguante da vidraça me deu a ver as camas. Vazias. Só eu dormiria agora. Algo na ideia me incomodava. Há o imediato óbvio: todos lá eu aqui; eles, assim parece, aproveitando, eu, assim parece, não; não presto pra existir, etc. Mas não tinha certeza de que fosse isso ou só isso me conservando parado no vão da porta considerando seriamente não me deitar de jeito nenhum agora.

A mão ainda na maçaneta, recuei e fechei a porta. Fui até a fresta. Abri sem bater. Dentro havia D., T. e um cara que nunca tinha visto ali. Pareciam prestes a transar ou recém terminados de transar. T. estava com os peitos de fora, e isso foi o máximo que vi, dos três não havia nenhuma genitália à vista. Ela me olhou com terrível espanto. Senti que minha entrada foi uma espécie de de repente todos se deram conta do que estavam fazendo e se deram conta de que estavam de fato muito bêbados e chapados. Talvez, é verdade, estivessem esperando que eu, refeito do equívoco, me retirasse.

Não medi a força e bati a porta forte e não me desculpei ou dei mostras de constrangimento. Cheguei ao meu quarto, fechei-me, deitei. Dali a pouco a porta abre, a luz acende.

Acorda.
Quê.
Cê tava me seguindo?

Ela perguntou puta.

Seguindo? Não sabia quem tava lá, só entrei.
Não?
Não.
Então entrou por quê?
Não sei.

Agora a via direito, a luz fazia doer gradualmente menos meus olhos. T., de sutiã e calcinha, as roupas amarfanhadas numa mão. Estava puta.

Que que você quer.
Dormir.
Não, cara, comigo. Que que você quer.

Me senti corando. Não podia responder honestamente àquela pergunta se quisesse manter as coisas como estavam.

Como assim. Nada.

Me olhou longamente. Apagou a luz. Veio até mim, ao contrário do que supus faria. Pousou os joelhos dobrados sobre minhas coxas e se inclinou tirando o sutiã. A posição distendia e fazia doer minhas coxas.

Empurrou um dos peitos na minha boca, segurava minha cabeça contra ela com uma das mãos. Agora doíam minhas costas. Chupei. Não entendia aquilo. Ela permanecia em silêncio. Imaginava pudesse estar agora decidida de ter entendido algo a meu respeito relativo a ela. Que eu a amava e/ou queria comê-la. O silêncio era inefável. Talvez intelectual. Talvez inefável. Comecei a mordê-la. Não se desvencilhou, mas sentia dor, dobrava-se e gania. Mas eu me obstive abstruso de se não sangrá-la ao menos deixá-la vermelha o mais perto possível da carne crua.

Veio aí um mau cheiro terrível. Sem parar o que fazíamos, olhei além dela e, notável não ter visto ao chegar, mas havia duas grandes porções de algo muito escuro, com uma camada de algo branco esfarelado homogeneamente distribuído por cima. A minha primeira interpretação foi ser aquilo porção larga de merda congelada (redonda, como uma diarreia circunforme na calçada), que por estar descongelando, começava a feder.

Meu pau estava duro, mas não me via transando com T.. Dado curioso porque, afinal, era algo que constantemente ocupava minhas fantasias sexuais cotidianas. Ou algo com que me ocupava distraído ao ter que empreender uma tarefa mais ou menos árdua. Queria que me largasse e fosse embora. Mas não foi. Ficamos ali, minha saliva digerindo sua pele, ela em silêncio acima, a não ser por sons de dor e eu embaixo, o corpo dobrado.

Uma hora agarrou meus cabelos e puxou minha cabeça para trás. Um filete de baba me acompanhou e pousou no meu queixo, enfim parecia haver sangue em minha boca.

Não faz mais isso.

Claro que não sabia a que estava se referindo. Não quis esclarecer. Senti que era isso aí. Não teria mais notícias dela.

Foi aí que alguém escancarou a porta e acendeu a luz. T. rolou pro lado e caiu da cama, colocou uma mão sobre os peitos, agachada ao lado e abaixo. Era o B.

Vocês viram a V.!?

Estava branco.

Não.

T. ficou em silêncio.

O que foi.
Ela sumiu.
Quanto tempo tem isso.
Não sei, não vi ela a noite toda. Achei que ela tava dormindo, mas não tava no quarto.
Vai ver ela saiu.
No banheiro, tinha dois dedos e uma orelha.
Como é?
Dois dedões do pé, e uma orelha.
Caralho, como assim.
Assim, porra!

Depois disso foi um tanto confuso. O som extinguiu-se, B. me pegou pelo braço, via-o vindo vagaroso, apesar de saber de seu nervosismo e de saber que ele vinha na verdade com pressa e nada vagaroso. Peguei T. pelo braço e logo se desvencilhou. Olhos fixos em nada. B. me levou até o banheiro do quarto deles. Era a única suíte, acho.

Havia marcas de sangue e, parecia, restos de gelo. As marcas davam os limites de grandes blocos discretamente separados bem no meio do chão do banheiro sobre as lajotas azul claro. Interpretei grosseiramente a cena.

Você acha que é isso?
O quê?
Que esquartejaram ela e congelaram os pedaços?
O quê! Caralho!

Ele ficou muito assustado. Talvez nem houvesse passado pela sua cabeça tão terrível hipótese mas ao invés algum esboço de tese de difícil sustentação que tornasse suficientemente razoável tanto o sumiço de V. quanto o aparecimento de orelha e dedões com nenhuma espécie de conexão necessária entre os dois eventos. Talvez inclusive nem envolvendo qualquer espécie de mutilação. Ou talvez eu tivesse dito o que ele estivera elaborando mas ainda não estivesse pronto a admitir a possibilidade real daquilo porque era tão terrível e de fato era possível na verdade que outra coisa houvesse se dado. Mas se alguém pensasse igual era mais possível ainda, por mais que se dois pensassem a mesma coisa, era ainda bastante possível que não fosse nada daquilo.

Mas cadê ela!?

Aí ele ficou nessa. Exclamações desesperadas dirigidas a nada e a ninguém. Horrenda retórica. Então me lembrei do cara.

Tinha um cara aí, que eu não sabia quem era.
Hã.
Alguém além de nós por aqui?
Um cara?
É.
Não, só a gente. Onde você viu?
Tava com a T. e o D.
Trepando, é?
É possível, mas eu cheguei antes do inicio ou depois do fim.
E daí.
Daí que alguém sumiu mas alguém apareceu. É alguma coisa. Te faz pensar.