sexta-feira, 18 de abril de 2014

Plêiade

Os joelhos sobre as plantas rasteiras, amassando-as, uma flor entre os dedos, amassando-a devagar. Duas gotas atingiram-na das vezes que a premia. O rosto erguido nele os olhos sob o céu escuro nele as estrelas imóveis senão pelas ondas que as gotas imprimiam no olho.

Somente agora dava real atenção ao roxo inchado formando-se no cotovelo. Um corte bem superficial. Os dedos sobre o hematoma, retirou-os rápido. Havia minúsculos grãos duros espalhados pelo cotovelo e por toda a área inferior do antebraço.

A chuva engrossara algum momento.

À sua frente, o muro rosa. Um curto facho ocre da luminária no canteiro da qual a água tirava fumaça.

Uma gota caiu de seu queixo entre os seios pelo umbigo até a barra da saia. A blusa encharcada. Pesou ao tirá-la. Viu uma faixa fina vermelha com rastros fracos descendentes. Esfregou a mão sobre ela. Cheirou. Era sangue. De novo.

Plêiade!

Voz vinda de fora. Havia atrás de si ainda toda a casa de distância até a porta. Ante a soleira era a areia. Virou a cabeça do muro ao corredor. Via a janela que dava pra praia. Emoldurava-se nela a cabeça dele olhando-a. À visão dele, imaginava-se, havia suas costas nuas na penumbra ante o muro rosa e farta fração do rosto iluminado. O rosto inteiro dele, tudo quanto aparecia mal, era escuro. Virou-se de volta.

Tomou a flor na língua. Mastigou-a.

Plêiade!

Não se moveu. Houve porém após um grito estranho. Não evocava um ataque, susto, dor. Ou melhor, não apenas. Grito gritado com o pior que ela já houvera ouvido à vida. Não era certo que ele houvesse gritado, mas de alguma traqueia havia saído. Não queria descobrir. Agora era passar o resto do tempo ali. Tolerar as câimbras, as escaras, logo descobriria como.

O grito se repetiu. Isso era inesperado. Era o tipo de grito que só esperaria ouvir uma vez na vida. Sentiu os joelhos manifestarem-se numa direção ascendente. Apoiou as palmas das mãos sobre as plantas já amassadas. Algo escorreu por sua coxa esquerda. Ergueu a saia. Sangue. Não sabia se menstruara ou se algum corte nos arredores. Tudo doía monoliticamente. A água abria a pele e fazia arder.

Deu passos até o corredor. Atravessou-o. Limpou a terra dos pés no capacho. Foi até a porta e abriu-a. Escuro. Pegou a lanterna, no móvel ao lado do vão. Vasculhou os arredores. Nada. Dois passos avante. O raio que a lanterna alcançava aumentou. A chuva batia forte sobre o telhado. O mar negro e plúmbeo. Voltou-se, a lanterna iluminando o chão. Uma pegada com sangue dirigida à casa.

Refeita do susto, tomou o pé nas mãos e equilibrou-se para iluminá-lo. Havia restos borrados de sangue. Era seu pé, aquele. O em suas mãos, o cuja marca estava no chão, o que entrara na casa, o que saíra da casa.

Chegou-se ao mar. As ondas quebravam, a chuva engrossava, fosse ainda possível. Era o mesmo som, a mesma água que quebrava a seus pés, a mesma água que encharcava seus cabelos.

Mas não era possível. Alguém mais estivera lá e gritou. Não era ela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário