domingo, 18 de novembro de 2012

Estrago

Não enterrar a palavra num poema
Ou empalhá-la
Atulhando-lhe o peito
Que fica formosíssima assim
Mas morta.

Embora que pra isso
Tenha que não ter começado o que já comecei
Tenha que não ter dado o primeiro ai do resmungo que prossigo
Tenha que não ter trancado a palavra num quarto abafado sem janelas]
Tenha que não ter discordado de que ia bem a palavra sem mim
Tenha que não ter pigarreado este circunlóquio autoritário

Mesmo se acaba-se já o estrago está feito
e não adianta chorar o leite coalhado.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Poema de Morte II

Curvo-me ao ferro
Que não vara-me o ventre
fica ainda acena-me
sem face sem olhos
limpo, franco
sem ranho
ranhura
Inoxidável
duro e afável e dura
deixa claro cristalino
embrulha mo intestino
que me pode furar agora
não fure embora
mas pode
me fura
quer seja
Agora
ou depois e depois e depois
tudo que sucede agora
e torna a ser agora.

curvo-me ao ferro
que não vara-me o ventre
agora e agora e agora e agora

domingo, 11 de novembro de 2012

sob véu escuro sem luz elétrica queimamos tudo numa fogueira e dançamos porque as plantas o fogo e o plástico vibravam e dado estarmos regados

dali a dias não muitos de ordinário passamos mal

soubemos pouco ser por aquilo.
pelo mal entendido
grato
gratos

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Poema de Morte I

Projeto meu de vida
Digo
Assassinar-me um dia
O figo.

Quem morre cedo
é porque tem mais o que fazer.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Excrever

(isto é, como em excretar)

Defecar significa estar a só, é despejar no mundo o que, por alguns momentos foi seu, e do que só você pode se livrar.”  Rafael Sperling

como era

cura
que coma o cancro
que enquanto curte
do cuarriba
encurta
vibra rasga fura escopo duro.

De lavrar velha pele, a prática
disseco tecnocrática estico
psicotelelegislossomática.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Antes que eu pudesse enviar um prólogo ao meu cérebro

(título extraído de Hamlet, de Shakespeare, tradução de Millôr Fernandes)

“Time is just memory mixed with desire” Tom Waits

“A única nobreza do ser humano é ser esplêndido em cinzas, faustoso em túmulos, solenizando a morte com incrível esplendor, transformando em cerimônia e pompa a estupidez de sua natureza”. Millôr Fernandes

Sim, a hora que parecia pedir abatimento, abatimento, isto é, a hora de se prostrar, ficar de lado para a passagem, estava aquele estrupício, que estrupício bicho esfalfado, quando deveria aparentar abatimento, estava o bicho lascivo, feito visse uma mulher esfregando-se em suor e fedor, estava feito como não estivesse, ou melhor, imagine uma porta, ou melhor, imagine um vão de uma porta, imagine parentes tristes miseráveis, imagine, visualize agora mais realmente, este bicho, é um bicho arrastado, na passagem, até que tocam nas costas, de porra saia do caminho caralho, na verdade isso não é enunciado, mas subjaz em alguma parte, ele se põe de lado à passagem, mas a expressão desta merda de coisa, não é a de dor nem lamúria murmura pelos cantos podres de boca, prestava esta coisa pra quê, este bicho, imagine, não erguera-se do chão havia nem uma hora, havia nem um mês, havia nem dois meses, sem com isso querer dizer, e isto não quero dizer, que tenha nascido recém, antes que desse cabo da posição de lado, estava nu, baixara as calças, e já tinha pelos, evidência que não era recém qualquer coisa, senão talvez recém feito de pelos, época de hormônios, mas não era esta merda de hormônios, bicho odioso, é claro, aí vinham os parentes uns putos uns preocupados, uns querendo partir a cara daquela fedelha escrota, vinham pra cima e deram porrada naquelas porras de genitais, disse genitais não se diz genitais senão pela clientela, disseram, se fodeu gritaram, que isso gritaram, enfiaram um copo de água com açúcar, que o puto bebeu, bateu o copo em sua cabeça, jogou pra depois, longe, quer dizer, e havia uma merda de um bebezinho, imagine a porra de um bebezinho de merda, e claro, acha que seria diferente, imagine a porra do bebezinho em cima da merda dos cacos de vidro, antes que sucedesse outro escândalo, volte a memória de fotografia, ou seja como chame, jogou o copo, viu o bebezinho, espatifou o copo, foi logo atrás do copo, as calças arriadas, que não haviam devidamente subido e abotoado a modo de não cair, numa mais exata chuva de cacos, o bebezinho seguro em suas mãos, e os parentes uns putos uns preocupados, e outros aplaudiam, agora entenderam a performance, acredita, era um número, o bebezinho ria, é possível que aquele naquele momento fosse o julgamento mais principal, uma adolescente descobriu os peitos do vestido de luto e levou a mão obsessiva e rápida à buceta, e um adolescente abriu as calças e segurou o pau, gritaram os parentes uns putos uns escandalizados e também preocupados, que olha o que você fez agora fodeu de verdade, mais exata, bicho aparentando abatimento, queria quer dizer, punha o bebezinho num pouso fortuito sem perigo, que mentira, sem perigos dos cacos daquele copo, mentira, sem perigos óbvios dos cacos do copo, mentira, sem perigos de pisar nos cacos naquele pedaço de chão em que pousaram, levantou as calças, e se pôs a socar a moça, isto é, a moça estava sendo erguida pelos parentes, evidente não era bonita, fosse bonita, provável não descobrisse o sexo daquela maneira, à distância isto é, mas os que a ergueram claro deram uma boa fungada na buceta, um inclusive chegou a chupar de leve, e levou um soco dela, e os parentes uns putos uns revoltadíssimos, gritavam BRUXA BRUXA, um moleque fortuito reconhecendo a deixa já havia alcançado álcool na cozinha e fósforos, deu aos parentes que erguiam, ela mesmerizada, a mão enfiada na buceta, despejaram álcool no cabelo, e fósforos, cedo queimava o cabelo o escalpo, e ela gritava agora, dando por si enfim, aquele elo erótico e telepático com o outro do pau na mão devidamente quebrado, que susto, isto é, na sala de jantar cantava-se uma música sobre arreios e sela de cavalo, as taças erguidas os sorrisos os parentes uns grandemente abertos uns feito fendas, quer dizer, apesar de triste e miserável o encontro, não jantavam e lá, contudo, bicho fétido a enfiar a mão nas calças buscando sua alma, alguma senda mucosa há de provê-la, a garota gritava de dor no outro cômodo, seguro o bebezinho na sala de jantar, deixara a presença da garota enquanto a via gritar, buscava a alma, e os parentes uns contentes uns desolados, erguidas as taças, aquele tinir de consoantes e ressoar de vogais nos corpos, refletiam, e podiam ver, via o esfalfado, aquela garota feia nua arranhar-se, uns canais de sangue gradual se abrindo, agora não era segura por ninguém, socava o rosto, gritava tal que punha as entranhas dos parentes a vibrar, os parentes uns putos uns escandalizados, um moleque fortuito reconhecendo a deixa pôs-se a chutar a barriga da infeliz, infeliz quer dizer, e ela conforme cuspia sangue e gritava, isto é, aquele bicho atrás de sua alma, voltava a mão coberta de algo negro ou era sangue demais, rubro sobre rubro, nítido era que estava satisfeito, a sensação ruge do dever cumprido, livra-se da coisa sobre a mesa espirra algo logicamente parece ser sangue, os parentes uns putos uns aterrados, enquanto um não sem mesura se curva e engole e sorve toda aquela merda, isto é, engole, a música sobre pedras e tempo latu sensu, a garota já devidamente vestida, com as mãos em volta do quadril pousadas sobre o pau guardado do com pau na mão, diz se mexer é bom quer dizer amor, o que quer dizer amor, diz não foi isso que eu disse, que não se pode suportar mais uma hora que seja daquela sala, da tarde apodrecida, daquele senhor deitado de luto pelos parentes, dos parentes de luto pelo senhor, dos retalhos de dias, que chamam de dias, a superposição que chamam tempo, indistinto vagar, a justaposição que chamam anos décadas séculos, o peso indigesto da história que antecede e sucede o ponto de breve termo quer dizer, que quer dizer, isto é, estrupício abotoava as calças, abotoava as calças, repara na reflexão depende de nada senão da clientela, e para, primeira vez na vida, quer dizer, quase isso, para e olha os parentes, lembra, uma rainha grandiosa curvada a um machado, pescoço alvo esguio, belo rosto e corpo, o machado rasga o pescoço, a cabeça separa o corpo patético, pula num cesto, rega, o sangue a cobre sôfrego, apenas o algodão nas narinas o senhor não sangra de qualquer modo, mesmo o cu doente sangradouro assaz assíduo sob o traje solene parece sóbrio, seria o estado mais elevado da civilização e cidadania daquele senhor, mais inescapavelmente elegante, antes que se decompusesse a carne e deselegantemente fedesse, o estado mais concreto e indelével, e entanto veja pela primeira vez na vida quer dizer quase isso argumenta que aquilo não pode ser, protesto por sua vez não inédito, quase isso, qualifica como impossível, imagine, isto é impossível, isto é, os arreios e as selas, se a merda da carapuça serviu, bicho estúpido com as calças nas mãos, basta um chute um soco, esteja lá, os parentes uns putos uns idos, basta indispor-se, esteja lá, a moça agora trazia a música à sala, a coisa em si, nua evidente Vênus em perspectiva entanto ancestral rupestre, não é profética senão casual, como veio poderia não ter vindo mas vindo não pode não estar lá estando lá, um moleque fortuito  reconhecendo a deixa despe-se agarra-se às pernas dela, pousa as nádegas ouça nádegas senão pela clientela na cabeça do moleque, os cabelos do moleque obedecendo recuam fica-lhe um leito nu serve o couro de pouso, cedo rosas ao redor, uma merda de um halo de luz, isto é, sim, peso e dor sobre os ombros, taças nas mãos dos demais, este é o começo que se curva e acolhe porrada, esteja lá, mulher afaga o bicho cansado, ele de mãos nos bolsos, quase isso, ela quer dizer amor, nenhuma hora mais de amor, os parentes uns putos uns ridos, a tarde ofega mas lá, o ponto antes dele nada, entre ele e ele um ponto, bicho morto não quer morrer, entre ele e ele um bicho, esteja lá, o ponto posto ele e nada, isto é, o bicho baixa as calças, isto é, não esteja lá, abatimento a toda hora tudo a toa a toda hora, o bicho estava feito não estivesse, seguras as calças, imagine, numa hora da mais pura portanto abstrata ascese aos engulhos brutos da civilização, o bicho descobre ter se enganado, esteja lá, os parentes uns putos uns satisfeitos, o dito pelo não dito, o fodido pelo não fodido, isto é, o bicho abatido pelo abatimento, esteja lá quer dizer.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Coisa

Enxergue-se
Não ser a coisa a coisa
Inda sendo ela aquilo
A que se referido
Tenha

A coisa está
Ali
Pra que
A si
Refira-se.

Mas longe dela
Achar-se outra
Achar-se ela
Achar-se coisa.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Homem

Cá estou pensando agora
Num que gora e caga
Descoberto por um teto
Que por ora nem outrora paga

Acocorado, pois,
Se o fluxo é bruto
Abrupto a perna se molha
Ou mais abaixo
Os calcanhos, os lânguidos lanhos
Apavoram

Enfezada tez
Atesta a testa
Qual a disposição,
E por esta palavra perdão,
Do espírito que, ao lado,
Não com enfado
Disto se enamora
Nostálgico embora
Da pátria, ri.

Enfiam-se os dedos
Sem rubores, sem segredos
No cu que não dobra
Nem quando finda manobra.

A obra sem o artista
Do casal outrem dista
Só lhes fere o fedor
Estupor aos olhos e olfato
E o rapaz preocupado
Com o translado dos pares
Dá-lhes a média
Homem, de curta rédea, careta:
Lamenta a merda na sarjeta.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Velho

Me dobrem de dor
O corpo
Amassem.

Não passa
De cicatriz
Que na pele
Crassa
Breve
Logo
Dissolve

Quando ossos
Roçarem-se
Sem a liga
Antes lá
Dos músculos
Muxoxo o opúsculo
Frouxo
Que fui.

Tempo virá
Em que sendo
Nada serei
Senão
Algo
Sido
Alguém.

Administrado.

Quando velho for
O nojo
Quase inofensivo que
Hoje
Sinto por mim
Será o quê?

sábado, 1 de setembro de 2012

Poema de Amor V

Pegue em mim eis me cá
deixe de lá de
me largue de mim.

E milagre
de me dê amor sem desar –
de por à prova de peso
ir ou não ir se sim ou não anuir:
deixe de lá, de lado, deitado a nada,
bem o diga o dito
nada é feito conquanto sido –

e lido o livro, a lida letra,
munido tino de caneta,
sei nunca onde estive, nem me como mantive,
ao cabo do baço braço um curto pão de longo prazo,
curvo ao sol pleno dia, ombro em pelo, leve oclusa lua vira,
vi-a mas não me via,

porque não me conta,
a isto é que monta?

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Uma

Quando empilha e roça as magras coxas
– Possa a face roxa se aviltar –
Do feitio que não atreve à rua
Aí vejo que é mulher, ou que lembra muito uma.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Domingo

Como ir à praça
Dar comida aos pássaros
Balançar os filhos
Em balanços fáceis

Como pular pula pula
Pedir perdão a Deus
Do outro lado da rua

Comer duzentos gramas de pastel de queijo
Na Nossa Senhora da Paz

Domingo
Leva minha carcaça embora
Me embota, me dobra e me enlata
Que a delonga ingrata demora.

Que o adubo que verta do pus
- e haverá que verta, supus -
Sirva de piso aos pares.

Que os ares o cheiro me sintam
Como eu já lhes vasto senti.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Obituário

A tarde fototropística só não mata mais que o analfabetismo
Mas mata mais
Só não mata mais que o analfabetismo