sábado, 29 de maio de 2010

Emília

A não querida flor da família, Emília, a que chorava junto quando chovia o céu. Foi ela que descobriu que quando se encostam as costas da mão na testa, o suor é raspado pra se ressignificar em sujeira preta na mão e na testa. Mas aí é sacudir pra fora. Não se está limpa, mas aparenta-se. E é ela que descobre que nos dias frios, ela parece mais limpa por mais tempo. Ela e as amigas, os pais. As pessoas saem mais bonitas nas ruas. As ruas ficam mais agradáveis, a gente pode pôr as mãos nos bolsos sem querer parecer intertextual. É porque está frio, e os bolsos ajudam. É Emília que dorme pensando nas pessoas da escola e acaba sonhando coisas misturadas. Ela acorda confusa, e esquece que dormiu em casa. É ela que toda vez que acorda tem que ter certeza de que não está em outro lugar. Aí vê seus pais, seu cão, seu reflexo. Antes de tomarem forma, são vários borrões sem pátria, num deserto de identidades. Aí Emília se atirava nos quadris dos pais falando “Essa é a minha casa!”. Eles diziam que sim, e nós somos seus pais. E dela, a tréplica “Vocês são meus pais!”. Tudo desvendado. Foi Emília quem disse aquela célebre frase “Conhecer é repatriar o desterrado”.

Ela, de fora

Seu rosto é pequeno. Quando vi de costas, os cabelos curtos, achei que talvez me lembrasse alguém. Mas é diferente e mesmo díspar de, talvez, todos que já vi ou conheço. Tudo se amarra teso: nariz, boca, olhos, etc. É uma soma transbordante que um dia pode arrancar seu rosto do seu rosto. Por ora, controla-se numa fotografia. Daqui a alguns anos, quando virem você na rua, não saberão quem você é. Assim: você fica escrevendo poesia debaixo do sol. Se o vento leva os papéis, você tem brisa e nada na água. Se não vier, você tem poesia escrita. Você vai embora. Irá. Sem dar por si, querendo sugar vida de uma pedra, sugando a vida de uma pedra. E a sua boca desmancha e borbulha, seus olhos mergulham nas órbitas e seu nariz escorre e pinga no chão. Aprendeu a ser pedra, sendo observada fotografia.

sábado, 8 de maio de 2010

Não

não cora
menina
ficar cor de amora
é coisa de gente
que sente vergonha.

não chora
menina
que se por pra fora
é coisa de gente
que sente tristeza.

demora
não, filha
que passar da hora
é coisa de gente
que não tem parente.

aflora
não, filha
que essa de ir embora
é só uma história
da boca pra fora.

não tenho nem por que
te contar mentira
só, minha filha, não
vá levar desdita

nunca pra casa.
não.

O que me puncta

reconhecer-te-ei
pela fuça,
a nuca
ou nunca.