Sua boceta era uma racha, claro todas são, mas esta, enfim, eram calotas as coxas, caroços moles, maiores que cabeças, gordas e negras, um continente de pele, de peles, em meio a todas as linhas que em algum ponto curvavam-se ligeiras, linhas de coxa e virilha, vapores e suor cuspidos das dobras, siderurgia, âmbar escuro incandescente e quente, então uma reta entreaberta, sua boceta era uma interrupção bruta, abrupta, nua, o que era demasiada delicadeza, isto é, depilar-se, pois a sua bruteza, fosse ela apenas ela mesma, a bruteza, sem nada daquela mulher, bruteza ambulante, ela, a bruteza, auto-envolvente, já me castigaria em evidente desvantagem, eu menos, ela mais, esteja claro, pois não, havia ainda uma mulher para sorver toda aquela bruteza, vesti-la, vivê-la. Vê-la sem pelos era brabo, era uma surpresa, isso sem dúvida, pelo menos não se livrara do cheiro, não, o cheiro estava lá, todo, enfim, do modo que falo, parece que estava em absoluto regozijo, eu, o que é falso, estava apreensivo, todo, a apreciação dos pelos se deu em função da sincera surpresa, não porque eu estivesse, para além de um suposto regozijo exultante (que não existiu) de ver toda aquela nudez e de súbito detido alegremente por um alegre detalhe, curtindo, o que aliás, isso de ter sido detido por este detalhe, relaciona-se com o não estar regozijando, curtindo, esperava algo menos, isto é, esperava pelos, não vê-los me fez pensar, enfim, a respeito disso, a depilação, uma mulher desse tamanho, duas vezes uma mulher grande, cuja boceta barbada, isto é, seria tão fácil imaginá-la barbada, a boceta, e vê-la nua, a boceta, enfim, não entendo nada disso, nesse instante queria uma opinião que não a minha, a respeito, não sei exatamente a respeito do que. Ela não examina meu rosto de exame sobre ela, ela precisa erguer seu rosto acima de algumas camadas de pele, precisa haver muita distribuição de força para o equilíbrio, a pele é escura, e o escuro da pele e o escuro do cômodo misturam eu e a pele, eu estou muito abaixo das camadas dérmicas, por julgar que entendo o que é preciso para que ela me examine, me esgueiro ainda mais contra o chão, meu peito afunda no chão, como se fosse macio, enfim, estou completamente de frente para a questão, ela sua, está calor, estamos despidos, examino, estendo os braços, estou de frente, mas há muita distância entre eu e a boceta, abro a boca, experiência mimética esteja claro, ela sente, balançou a perna e gemeu, ela sente, ela gostou? Não fiz nada. Ainda. Quer dizer, fiz pouco. As coxas, nelas, as crateras da Lua, a luz sobre ela, o movimento quase involuntário, ou involuntário de fato das coxas, de jure e de fato das coxas, sombras moventes nas crateras, ah, sim, o lado escuro da Lua, Pink Floyd, isso aqui na minha frente é menos pedra de toque que a loucura de Syd Barrett? E isso é menos a loucura que a loucura de Syd Barrett? Quer dizer, o substrato disso, de uma, o que, disso: um disco, vários poemas; o substrato dessas palavras, ser algo que exala um cheiro idealmente, ou seja, nenhum, ou enfim, outra coisa, e as formas de sob controle, isto é, de isto está sob controle, o poético sob rédea curta, somente o apreensível?, [aqui], o que escapa e é feio também não?, porque uma palavra entorpecente para falar de uma coisa terrível: uma fodinha, uma punheta ligeiramente menos banal que as de sempre? Não, o cheiro idealmente está nas palavras e não no real delas. Quer dizer, o Syd Barrett depois ficou careca e gordo e irreconhecível, isto é, com relação ao que ele era. Mas ladeira abaixo? Tudo ou nada? Fica fácil compreender assim. Fica poético compreender assim. Nostálgico compreender assim. Ele tinha tudo e agora tem nada. Facílimo compreender isso. Ele era e agora deixou de ser. Mole. O que ele era era lindo o que ele é é um vestígio do que ele era. Moleza. A propósito tem uns anos que ele morreu. Assim fica até sem graça. É covardia. Não havia a menor ideia de o que se estava falando. É aí que está a loucura da coisa. Aí enfim as músicas do Roger Waters que fazem você chorar, porque ele era um bom letrista, Shine On You Crazy Diamond, (quer dizer, remember when you were young, putz, alto lá, remember é o caralho), enfim, as conhecidas, não é, tem If que não se comenta, pelo menos os caras que eu frequento que se dão ao eventual trabalho de cometer algum comentário não comentam, mas que tem aquele verso “If I were a good man I’d talk with you more often than I do”, puta merda, já isso, isso sim, isso é o abismo. Isso e isso aqui. Se eu fosse um homem bom eu conversaria mais com este abismo. Tem aquela música do Nine Inch Nails que se chama “The Way Out Is Through” entendeu. Eu tenho que atravessar esta mulher. Break on through. Esta boca que me bafeja ogiva escancarada. Uma boca, uma pista, pista segue pela uretra rins estômago esôfago fígado faringe laringe boca, uma e outra, são duas. Toda esta merda não serve pra nada. Arreganha a gengiva banguela rugosa. Desce a mão qualquer coisa de espécie de peçonhento, um bicho peçonhento que se arrasta vagaroso, venenoso, perverso, e, ainda, ansioso, ansiosa, indicando-me o que, ciosa, apontando-me onde, guiando-me onde, estira um trecho, entre dedos, um véu duro aberto, indicando-me o que é, o que é o que é. Eu não. Eu estendo os braços ainda uma vez, abro a boca, as três, o olhar submerge no chão, observo com atenção as irregularidades das aparentemente lisas tábuas corridas, a Córsega na boca, de lá e oriunda dos meus fios de cabelo, o movimento ridículo, insetos invadindo, enfim, tenho que atravessar, um momento, eu disse insetos?, foi isso o que eu disse?, não os vi de todo modo, um engate, engato, sem um engano sequer, a cabeça pressiona, marcha, racha, meto, isto é, na qual há boca, a cabeça, e nariz, olhos, meto, sem metáforas, a cabeça que me permite enxergar porque abriga meus olhos e meus nervos ópticos no meu cérebro, ela encosta, os pelos umedecem, entram, meto, a cabeça entra, aspiro sorvo boceta, tudo é boceta, o que era atmosfera é algo próximo do que sente uma organela numa célula, citoplasmático, se emito uma palavra, o lado de fora não só não a permite como me chupa, minha boca isto é, meu pau é anônimo, heterônimo, e, como diz uma dileta amiga, não tem nada a ver com isso, chupa minha boca e não consegue, ela sente, senta, ou tenta, pelo menos, me bate, tenta me arrebentar, ela esta mulher acima dentro cercando e fora e pulsando, meu pescoço, batido, já se avermelha, é possível, tenho que atravessar, vejo a pista, as luzes que sinalizam, já isso imagino, uma trilha ainda por ser aberta, caberia ao invés a mim instalá-las, requererá mão-de-obra que desconheço, foda, Marx já dizia, alienação indivíduo-espécie, mas eu pensava em proporções mais prosaicas, erguer um lustre, erguer uma parede, uma pista de pouso em uma boceta não me ocorrera, isto é, procurar manuais para tanto, remeto. Mas isso, é claro, é uma divagação. A minha cabeça lá não obstante, remeto. Tenho que atravessar, sair pela boca, correrei o sério risco de ser mastigado, olhar-me de cima, verei meu corpo de fora do dela, uma perna minha como um rabo dela, um pau de andar, uma bengala acoplada, uma prótese supérflua, seremos um feto morto numa compota em conserva em formol, anatômicos universitários bizarros, que contrariando expectativas cresceu saudável, vota, caga, fode, reza, mata, etc., uma perna que sobre ainda fora dela, que reste, procurando apoio, uma segunda cabeça na boca superior, uma terceira perna na boca inferior, meu pau duro fazendo relevo debaixo de sua barriga, debaixo da pele, dos músculos, num cômodo de paredes vivas, rosas mucosas, nenhum regozijo, não exulto, não exclamo, não rio, ela ergue a arcada de cima, apoio o rosto na arcada de baixo, aspiro o hálito, mau hálito, examino o tártaro, uma ou outra cárie, que merda de boca, não preciso me preocupar com discrição, posso até exclamar, que merda de boca, não há ângulo fácil que lhe permita me examinar, me escutar, falta-lhe um espelho e concentração, subiu a perna que faltava, agora apenas essa protuberância de que lhe haja um martelo fibroso no abdômen, meu pau, uma arma que lhe tenta arrebentar de dentro, seu abdômen, que tem de sobra, sobra-lhe abdômen, vasto, coberto de peles negras, espalhadas pelo músculo, o umbigo infinito, ela é gorda, caso ainda não tenha ficado claro, os seios se espalham além do que consigo ver, os braços os cobrem um pouco, achatam-nos, através, saindo, eu, saio eu apenas através, a saída é através, merda.
Cheiro de café seco num copo escroto de vidro, cheira a boceta. Aí estou no banheiro, já posso me reconhecer, voltar a fazer isso, me reconhecer, esta merda de calor, que ridículo, tenho que deixar-me ao sabor do sol, regulador de humor natural, ensopo o rosto, ensopapo-me o rosto, meto alguma porra no ralo, a tampa da pasta de dentes, ela não aguenta o tranco da água, mas ok, enfim, a água entre os dedos, amaina pouco o resto, a mão sua, a textura da água entre os dedos, lavo a cara, estou nu, tiro o grude do pau, ela quase me arrancou, olho-me, uma barba se insinua, não, ou me tome o rosto ou se recolha, não se insinue, porém essa penugem púbica adolescente no meu rosto é patética, fungo o café, cheira a boceta, era isso, às vezes aquele incômodo, nunca soube de que, certo, agora sabia, uma boceta fora de hora, seca, uma boceta seca amarronzada, vestigial, cuspida, babada, ou resto, como numa divisão, o resto. Lavo o copo, o cheiro se manda, fica um tanto o de café, menos, subtrai-se a coisa, café frio, terror. Não, apenas: já houve aqui algum café, não: aqui jaz um café morto. Sim. Há um problema. Ele desde. O problema desde. Quer dizer. Há um problema. Qualquer coisa. É uma maneira de falar dele. Qualquer enfim, rabo ligeiramente mais arrumado cheira que nem ela, nada a ver com cheiros autenticamente hormonais, humores naturais, coisas internas, não, é um perfume, um perfume idiota, desses que se compra em lojas de shopping ou duty free, idiota porque há a cada vez, em toda parte, homens e mulheres, negros brancos asiáticos índios, todos ficam nesse diâmetro de aparescência da essência, e aí fode, um espírito que paira e ronda, uma consistência etérea de aroma, não adianta olhar por cima do ombro, procurar, escrutinar, perscrutar, não há o que, ela simplesmente está por toda parte, sendo que nunca é ela, ela nunca está, só está todo o tempo em toda parte na medida em que nunca está comigo, nunca está aqui, ela está no vômito que limparam do ônibus, mas não limpo o suficiente pra que eu não sentisse quando sentasse, ela e o vômito, está numa mulher mais bonita, numa mais feia, num homem, num cão, na merda, na comida, odor e olor. No perfume que não é o dela, que eu tento cognitivamente mudar, decomponho os disparos estímulos olfativos, comparo e cotejo, e às vezes consigo, o que era quase ela torna-se ela, e quando não consigo já foi o suficiente, é como confundir-se alguém com um estranho na rua, o conhecido já está evocado, já esteve ali, o rosto foi visto e sumiu, mas esteve ali.
Ensopo meu rosto. Aqui ela não está. Limpar-me disso, esse perfume está em toda parte. Menos em mim. Limpar-me disso. É um sarampo, em mim gruda como um sarampo.