quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Agora sim

love so deep
kills you in your sleep
it's true

David Byrne

Assim: angústia perene, interpolada por alguns momentozinhos de outra coisa, como fosse condenado a viver debaixo d'água com poucos momentos para respirar. Alguns desses momentos eu respiro numa boa, é uma merda estar debaixo d’água, mas vou lá, respiro, ok, outros nem sinto o prazer de sorver o ar, mas simplesmente respiro para não morrer afogado, é somente ligeiramente diferente de estar debaixo d’água, o ar entra e me mantém vivo, me retorna à agonia de viver sem ar e sem poder me mover como deveria, fora da água, pois estou dentro d’água, não estou nunca onde quero estar ao tempo em que desejo lá estar, as braçadas me custam muita energia e meu esforço não corresponde a meu deslocamento, desloco-me pouquíssimo, para quantidade enorme de esforço e consequente cansaço, sendo que há outros a meu redor, desempenhando calmamente suas funções, também eles na pressa de estar ou de chegar, porém rejeitam suas implicações danosas e dolorosas como o corpo rejeita o que quer que seja num espirro, numa tosse, num vômito, o problema deles é meu, que é deles torna-se meu, eu devo ser responsável pela minha pressa e pela pressa deles, se esbarram em mim, esbarram calmamente, sendo que, aqui, o esbarrão demora, os dois corpos se esfregam, um ao longo do outro durante muitos segundos, as trajetórias se suspendem por um tanto, eu me desespero, ele talvez queira me matar, ou cuspir em mim, ou talvez se contente com uma observação mal humorada, que no fundo talvez queira dizer, “você me atrapalha, o fato de que você está aí me atrapalha” e pior “o fato de que você possa vir a estar aí me atrapalha”, mas estando vivo eu posso sempre vir a estar aí ("aí" que é qualquer lugar, uma vez que em qualquer lugar é possível encontrar um interlocutor), ou seja, eu, porque existo, atrapalho, eu, porque existo atrapalhadamente, porque não consigo fazer funcionar trajetórias simples experimentadas como cotidianas pela maioria (ou, ao menos, aparentemente assim o é), atrapalho, eu, ao invés, experimento-as como uma viagem ao núcleo duro de angústia, infernal e mortífero, e necessito me queimar, e necessito bater minha cabeça, cortar minha orelha, e necessito causar-me dor, porque eu ainda não sou capaz de duvidar da dor. A dor é sincera, isto é, a dor franca e totalmente física, claro, que em alguma instância essa angústia é também física (se primeira, última ou intermediária, já não sei), porém, a dor da agressão aos tecidos é mais direta e menos simbolizável, menos metafórica, pode-se conjeturar a respeito de “mas por que ele faz isso”, mas não a respeito de que aquilo dói. E é bom que doa, e que sangre ou verta pus, e que a cicatriz fique lá me lembrando: não é que tudo tenha sido tirado de você, você ainda pode se matar. Essa possibilidade, não obstante, ainda é muito fictícia, matar-se, (matar-me), pois é preciso que se passe por cima de muitas coisas. Por exemplo, si, a ideia que se faz de si, exterminador de si mesmo. Si como praga. (Em sendo si já sido, determinado, levado a cabo, terminado, exterminado, posto a seu termo, em seus próprios termos de seu próprio término, o fim de si pelo si sido, o termo em termos próprios de si não é determinante, terminante, isto é, é preciso que já não se seja si, para se terminar, auto determinar, ou melhor, o suicídio, melhor pensá-lo como extermínio de si, indeterminar-se). Mas também planos, planos de si e para si. Tudo que poderia ter sido. Nostalgia do que poderia, e, pior, aqui, do que poderá ser se não se fizer isso agora. Minha vida era-será tão boa, e eu pondo fim a ela. E quanto a o que serei? E o que haverá depois de ultrapassados os problemas terríveis e lancinantes de agora? Como pode ser que eu me mate? Logo eu por fim à minha vida? Estou estarei errado? Impossível saber. Posso pensar: sim, considero essa possibilidade porque os problemas estão especialmente terríveis, e já é sabido que os problemas, é possível dar fim a eles, ou melhor, resolvê-los. O problema é tal que a condição em que me ("me" talvez generalizável, isto é, arregaçável para abarcar outros) encontro significa sazonalidade de horripilância de circunstâncias. Da frigideira pro fogo. E de volta pra frigideira. Não se matar significa esperança de alguma hora melhor, do contrário seria masoquismo. Existe, sim, a hora melhor. Mas e daí?

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