quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Incidente

Sobre a janela havia um copo que terá caído. Fora afora. Quase cheio. Não me lembro de seu conteúdo. Talvez fosse escuro. Lembro-me de algo escuro. Pode ser que o copo fosse escuro, daí qualquer conteúdo (em tais circunstâncias, a água seria pelo menos tão escura quanto o copo) ter sido escuro, qualquer que pudesse ter sido escuro. Que terá secado no chão afora uma vez caído. Talvez aí aclarando-se.  Ou escurecendo quanto qualquer líquido na pedra. Mas isso será depois.

Eu já tinha me deitado e terei me levantado, antes de saber de seu sumiço. Não verei mais o copo. E pensarei que devo tê-lo guardado. Ou colocado em outra parte, pois não me lembrarei de tê-lo guardado. Aquela marca redonda deixada pelo copo me colocará dúvida. Esteve aqui, estava, me lembro – lembrarei – e agora está – estará, terá sido posto – em outro lugar. Perguntarei a ela do copo. Ela me terá dito que colhera os cacos fora. Fora direi inquirir. Fora ela. Quando. Sim ontem ou. Então não será certo, digo, não está ou é certo. Caiu. Caiu (?) você derrubou? Eu? Você. Eu não sei. Eu não sei – não saberei. A marca ali se anunciará.

No olho do espírito, vejo duas, uma auto relevada de água, pode ter sido sulcada (inversamente, um sulco na atmosfera) em função da água, dentro, ou a que escorreu, fora, da condensação do conteúdo – escuro ou claro que seja – frio de dentro. Ou marca já – será então – seca de café. Duas alternativas. Pretendo a suspeita que se excluam. Sendo que uma delas se subdivide. Anúncio de que ele ali estava. Não terei sabido por quanto tempo. Eu, como a marca, anuncio a ela que ele ali estava. Sim ela caiu. Caiu (?) você derrubou? Eu (?) talvez o vento. Estava quase cheio. Um vento mais pesado. Não. Pode ter evaporado. Ou isso – já isso talvez. Terá se evaporado, e não mais pesava, senão o copo, seu peso somente, e um vento o terá – teria – derrubado.

Não necessariamente pesado, se se é dada a suposta evaporação, entretanto, se não, terá – teria – sido suficientemente forte ou pesado para empurrar o copo, por sua vez pesado (feito pesado por seu peso acrescido do peso do conteúdo). É preciso considerar, entretanto, que a segunda hipótese (apresentada primeiro por ela) foi recusada e foi dessa recusa que se aventou – tratou-se de um verbo acidental, refaço a oração – que se levantou – apesar da queda – a hipótese da evaporação. Por quanto tempo terá ficado lá o copo a ponto de que evaporasse todo ou parte suficiente de seu conteúdo em razão de um vento (não necessariamente, mas suficientemente forte) que o derrubasse.

Pode ser que ela o tenha jogado ou deixado cair. E não me contará, terá mentido. Eu não saberei por que terá mentido. Eu não me importava com o copo, isto é, a ponto de justificar semelhante mentira. Importava-me na medida em que cumpria bem sua função. Fosse um copo rachado, por exemplo, daria ainda menor importância, na medida em que geralmente uma rachadura configura uma aparência menos aprazível, mas não era o caso. Porém, nada aparente que justificasse uma mentira. Eu me importava antes com saber o que terá – teria – acontecido. O que foi? Caiu? Caiu. E você. O que? Você jogou? O copo? O copo. Se eu joguei o copo? É. Você acha que eu joguei o copo pela janela e estou mentindo pra você dizendo que um vento derrubou o copo? Estou só perguntando. Eu também estou só perguntando, você acha? Não. Então você tá de sacanagem. Não. Então você acha que eu joguei. Eu não sei. Eu já te disse que caiu. Você viu cair? Eu vi ele espatifado no chão. Mas viu cair? Não. Ouviu cair alguma coisa? Não, vi quebrado no chão, catei a porra dos cacos do chão. Você não jogou. Não. Pode ser que mentisse para mim. Não sei, saberia, terei sabido, antes de saber de seu sumiço. Eu já tinha me deitado e terei me levantado antes de ter caído o copo, parecerá – seria. Ou saber de seu sumiço. É o que terei sabido antes de dormir novamente e não ter ainda sabido que caiu – terá caído, cairá – o copo. Sumido, ao menos.

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